O Transtorno de Personalidade Narcisista vai muito além da simples vaidade
O uso comum da palavra narcisista e o diagnóstico psiquiátrico
Por causa do mito de Narciso, que se apaixonou por sua própria imagem refletida no lago e acabou morrendo, a palavra “narcisismo” é usada normalmente no dia-a-dia como sinônimo de vaidade. Costumamos chamar de “narcisista” a uma pessoa vaidosa demais.
Na visão freudiana todos temos algum grau de narcisismo e, dentro dessa concepção, isso é até saudável. Porém, do ponto de vista psiquiátrico e da terapia comportamental, o chamado “Transtorno de Personalidade Narcisista” é muito diferente.
É uma doença mental muito séria e está na mesma categoria da Psicopatia. Mas as pessoas com Transtorno de Personalidade Narcisista NÃO PARECEM ser assim à primeira vista.
Uma pessoa vaidosa e arrogante, mas não doentia, vai demonstrar que é cheia de si, que se acha melhor que os outros, mais abertamente e não costuma tentar disfarçar. Mesmo que tente, alguma hora se expõe.
A diferença essencial do narcisista
A diferença principal é que uma pessoa arrogante não necessariamente sente prazer com o sofrimento das pessoas com quem se relaciona. Pode até mesmo sentir empatia. O narcisista maligno SE ALIMENTA emocionalmente do sofrimento que provoca nas pessoas em geral, principalmente as que o amam.
A pessoa narcisista maligna pode ser abertamente abusiva, o que é mais raro, ou pode ser uma narcisista camuflada. Nesse caso fingem ser boas pessoas e realmente é difícil perceber sua maldade.
O narcisista camuflado tem uma habilidade gigantesca de disfarçar seu distúrbio e suas intenções. Ele vive um personagem e acredita no próprio personagem. Geralmente é se faz de uma pessoa muito legal, muito sociável, bem sucedida.
Isso faz o diagnóstico ser difícil porque são socialmente muito agradáveis e o abuso emocional que causam nas pessoas próximas, raramente em público, é invisível para quem não está passando por ele, a vítima.
Além disso, narcisistas malignos têm uma capacidade de manipulação tão grande que eles abusam da vítima e, ao mesmo tempo, a fazem se sentir culpada pelo abuso.
O abuso emocional
Chamamos abuso emocional quando uma pessoa faz a outra se sentir inferior, insuficiente, culpada, maluca etc… sem um motivo real.
O abuso e a manipulação das emoções das pessoas pode vir de narcisistas perversos, de pessoas com traços narcísicos, de pessoas neuróticas “comuns” ou até de pessoas empáticas, capazes de afeto, mas que estejam num momento de incapacidade emocional.
Alguns exemplos de abuso emocional são:
- Gaslighting (fazer a vítima se achar doida)
- Lavagem Cerebral (incutir uma ideia na cabeça da vítima)
- Invalidação (fazer a vítima se achar insuficiente e não merecedora de amor)
- Envergonhamento (fazer a vítima sentir vergonha de ser ela mesma)
- Instrumentalização da Culpa (fazer a vítima se sentir culpada para obrigá-la a fazer as vontades do abusador)
- Etc…
Então como distinguir a pessoa narcisista?
Em primeiro lugar, as pessoas narcisistas não conseguem sentir empatia pelos outros, só sentem, e muito, empatia por si mesmas (e essa é a diferença fundamental dos narcisistas para os psicopatas, que não sentem nada).
Essas pessoas compensam sua insegurança criando uma imagem social falsa, um personagem público, que geralmente é o oposto do que são e do que sentem.
Como dependem dessa validação dos outros pra se afirmarem, disfarçam suas verdadeiras intenções para poder controlar o máximo de pessoas (principalmente pessoas empáticas que são a principal fontes de energia para o narcisista), mantendo, ao mesmo tempo, uma boa aparência social.
Não sentem remorso. O único tipo de arrependimento que podem sentir é se forem pegos. Nesse caso se arrependem de terem deixado rastros e não do erro em si. Mesmo nesses casos, geralmente conseguem “virar o jogo”, fazendo outras pessoas parecerem as verdadeiras culpadas.
Essa falta de remorso e o desprezo pelas emoções dos outros fazem narcisistas malignos serem pessoas extremamente tóxicas.
Quem se relaciona com eles começa bem, mas em pouco tempo perde a identidade e fica preso numa vida caótica e deprimente. Ainda assim, o narcisista faz a pessoa parecer e se sentir culpada pelo caos que ele cria.
O carisma da pessoa narcisista
Normalmente são carismáticos, fascinantes e charmosos socialmente e nas fases iniciais dos relacionamentos, mas simplesmente não têm capacidade neurológica de sentir empatia e ter intimidade real com alguém.
Têm o ego muito frágil e quando esse ego é ferido ou seu personagem é questionado de alguma forma, o narcisista reage de forma totalmente desproporcional. Fazendo grosserias absurdas, agindo como criança mimada, mesmo em público, ou agredindo fisicamente em casos extremos Assim que passa a ira, inventa uma justificativa que geralmente põe a culpa na pessoa com quem ele fez a grosseria.
Geralmente mantém suas vítimas encantadas e confusas por muito tempo porque acreditam na primeira impressão que eles passaram durante a fase da sedução (o aspirador), em que se esforçaram para parecer a pessoa dos seus sonhos.
Lentamente a pessoa narcisista, principalmente as mais inteligentes e capazes de formas sofisticadas de manipulação, vão envenenando as emoções da vítima, fazendo ela duvidar de quem é, de suas capacidades, perder a autoconfiança, se deprimir, somatizar doenças etc…
Uma vida “pisando em ovos”
A vítima vive “pisando em ovos” porque qualquer coisa que diga ou faça com certeza será usada contra ela, seja em forma de culpa ou como justificativa para mais abusos emocionais.
Como foi conduzida aos poucos a duvidar de si mesma e se tornar progressivamente mais insegura, a pessoa empática, realmente acredita que a culpa de tudo de ruim é dela, vive tentando se explicar e nunca se sente suficiente em nada.
Quem já viveu ou vive uma relação com uma pessoa narcisista sabe exatamente como é viver assim. E, provavelmente, enquanto lê isso vai reconhecendo item por item.
A manipulação é o modo de vida do narcisista maligno
Pessoas narcisistas criam toda a estrutura de suas vidas através da manipulação emocional das pessoas com quem convivem. Suas vítimas preferidas e principais são as pessoas empáticas e as codependentes (o ideal para o narcisista é que a vítima seja empática E codependente).
Um primeiro ponto fundamental para reconhecer a personalidade narcisista é que eles desqualificam e invalidam os outros o tempo todo. Eles simplesmente não conseguem evitar isso. Mesmo disfarçando com uma máscara de boas pessoas, acabam falando mal de alguém.
Por exemplo, podem elogiar alguém e, logo em seguida, levemente desqualificar essa mesma pessoa. Podem fazer parecer uma boa atitude algo que vai prejudicar a pessoa que confia neles. Podem também expor as fraquezas da vítima a terceiros como se quisesse ajudar, mas, no final das contas, difamando a vítima sem parecer que está fazendo isso. Podem se comportar de forma intimidadora a sós, mas gentil quando há plateia, fazendo a vítima parecer maluca se falar a verdade.
Normalmente são pessoas fofoqueiras que criam intrigas em todos os ambientes, mas que isolam uns dos outros, então fica difícil perceber que foi a pessoa narcisista que criou o desentendimento. Por isso, têm PAVOR de acareações (quando estão todos cara a cara e podem se defender) porque isso poderia expor quem realmente são.
A confusão mental da vítima
Aliás, essa é uma coisa que narcisistas sempre fazem com suas vítimas: fazem elas pensarem ou, no mínimo, parecerem pra todo mundo, que são malucas. E quanto mais empática ou codependente a vítima, mais fácil ela mesma acreditar que tem um transtorno mental.
Já tive vários pacientes, tanto homens quanto mulheres, que estavam convencidos que tinha Transtorno Bipolar, Borderline ou Histriônico por causa da invalidação e do gaslighting de uma pessoa abusiva. É uma coisa bastante comum: a vítima acumula abusos, acaba tendo uma reação intensa natural ao abuso e, nesse instante, parece mesmo uma pessoa descontrolada.
Então, se você se relaciona com alguém que faz você perder o controle frequentemente, faz você se sentir um doido ou uma doida, há grandes chances de que essa pessoa seja narcisista.
Resumindo
De modo geral, a pessoa que invalida e fala mal de todo mundo, sempre quer parecer melhor que todo mundo, faz os outros se acharem doidos e quer ser sempre o centro das atenções, é uma pessoa suspeita.
O diagnóstico só pode ser feito por um psiquiatra, mas se você ou alguém que você conhece sofre abuso emocional, não faz diferença se a pessoa abusiva é narcisista, borderline, bipolar, neurótica etc…, a vítima PRECISA saber se defender.
E o primeiro passo é IDENTIFICAR.